Na transição do século XIX para o século XX, as reformas de espírito republicano da instrução secundária (1895 e 1905) pretendiam impulsionar o ensino científico para renovar, através da escola, a sociedade e a cidade, oferecendo uma formação útil para a vida dos cidadãos. A construção de novos liceus tinha, assim, como objectivo dar resposta às exigências programáticas do ensino moderno, mas também promover através deste equipamento urbano o desenvolvimento da cidade.
No Porto, a localização do liceu irá procurar consolidar a expansão da cidade para ocidente, em direcção à nova praça da Boavista, de acordo com o Plano de Melhoramento (1881). Neste contexto, o arquitecto José Marques da Silva é convidado pelo reitor do Liceu do Porto a projectar um novo edifício para a rua do Triunfo (actual rua D. Manuel II) em 1902. Contudo, este projecto será repensado quatro anos mais tarde no contexto da nova legislação que divide a cidade em dois bairros e consequentemente em dois liceu, o oriental e o ocidental.
Caberá a Marques da Silva projectar ambos os liceus. O oriental, denominado de Alexandre Herculano, por convite, e o ocidental, denominado de Rodrigues de Freitas, por concurso.
Liceu Alexandre Herculano
Liceu Alexandre Herculano, Planta do rez-do-Chão (3ª proposta) e vista aérea, s.d.
Início do projecto 1914
Data de início da obra 1916
Data de inauguração 1934
Classificação como Monumento de Interesse Público 2011 (Portaria 226/2011, de 18 de Janeiro)
O liceu é localizado, em 1913, na Quinta dos Sacais, ao longo da nova avenida Camilo, que deveria ligar o campo 24 de Agosto à rua de S. Roque da Lameira, redesenhando a saída oriental da cidade.
Marques da Silva realiza, em 1914, diversas propostas para o projecto do liceu, começando por uma solução com quatro pátios próxima de um “edifício-quarteirão”, onde segue a sua proposta académica para «Um Lyceu» de 1907, até uma solução em «U», explorando a abertura a sul dos pátios e privilegiando a relação a norte com contexto urbano da avenida.
O programa, composto pela administração, museu, laboratórios, anfiteatros, salas de aula e ginásio, organiza-se através da caracterização e hierarquização dos quatro pátios interiores, permitindo resolver as questões funcionais e ainda as questões da luz, ventilação e higiene dos espaços.
A obra tem início em 1916 com a construção do corpo da administração, ainda com uma imagem clássica, e é concluído em 1931 com o corpo do ginásio e piscina, onde Marques da Silva já tira partido das potencialidades do betão armado.
Liceu Rodrigues de Freitas (D. Manuel II)
Projecto Eureka, Planta do rez-do-Chão, 1918
Plantas e alçado principal do edifício do Liceu Rodrigues de Freitas, 1926
Início do projecto 1918
Data de início da obra 1927
Data de inauguração 1932
Já com o projecto do Liceu Alexandre Herculano em construção, Marques da Silva concorre ao concurso público aberto em 1918 para um programa de 1000 alunos sem terreno nem dimensões definidas, do qual sai vencedor o seu projecto Eureka, ficando Francisco Soares Parente em segundo lugar.
Num primeiro momento, a localização do liceu é testada na rua da Carcereira (actual Pedro Hispano), na proximidade da moderna praça da Boavista, mas acaba por se escolher o terreno contíguo à igreja de Cedofeita, na rua da Paz.
Após algumas tentativas para inserir o projecto Eureka no novo terreno, Marques da Silva desenvolve, em 1926, uma outra solução tipológica com três pequenos pátios e um grande recreio, relacionado com o ginásio, que faz a síntese das preocupações pedagógicas e arquitectónicas do programa liceal. A obra é iniciada em 1927 e concluída em 1932, o que possibilitou a Marques da Silva uma actualização dos sistemas construtivos, mas também das opções formais.
Assim, o enquadramento urbano do liceu é redesenhado através da fachada Art Déco e de uma nova praça em meia circunferência, a praça Pedro Nunes, que articula o edifício com a rua da Boavista e com o liceu feminino.
Nota Final
No âmbito do Programa Parque Escolar, lançado pelo Ministério da Educação em 2007, ambos os liceus são alvo de um projecto de modernização, sendo o Alexandre Herculano projectado pelos arquitectos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez e o Rodrigues de Freitas reabilitado pelos arquitectos Manuel Fernandes de Sá e Mário Trindade, que integra o Conservatório do Porto na ala poente do edifício, construindo um novo auditório.
Gonçalo Canto Moniz
Departamento de Arquitectura da FCTUC
Bolseiro FCT
Bibliografia de referência:
CARDOSO, António, O Arquitecto José Marques da Silva e a Arquitectura no Norte do País na primeira metade do século XX, Porto, Faup-publicações, 1997.
COSTA, Alexandre Alves, O Liceu Alexandre Herculano, no Porto. História, projecto e transformação, Porto, FIMS, no prelo.
MONIZ, Gonçalo Canto, Arquitectura e Instrução, O projecto moderno do liceu, 1836-1936, Coimbra, e|d|arq, 2007.
MONIZ, Gonçalo Canto, “A Cidade dos Equipamentos de Ensino”, in Leituras de Marques da Silva, Porto, FIMS, no prelo.
PROVIDÊNCIA, Paulo, “Liceus da República”, in Porto 1901/2001 - Guia da Arquitectura Moderna, Porto, Civilização e Porto 2001, 2001.
Localização do Liceu Alexandre Herculano
Porto, Avenida Camilo
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Localização do Liceu Rodrigues de Freitas
Porto, Praça Pedro Nunes
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