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Maria José Marques da Silva & David Moreira da Silva

 


Na vida de um casal existe, obrigatoriamente, um momento de encontro. O encontro entre David Moreira da Silva (1909-2002) e Maria José Marques da Silva (1914-1994) fez-se no universo da arquitectura. Maria José era filha do arquitecto que dirigia a Escola de Belas Artes do Porto (onde ambos se formaram), e David era filho de José Moreira da Silva, construtor civil e fundador da Cooperativa dos Pedreiros Portuenses. O encontro entre David e Maria fez-se no universo da construção da cidade e da arquitectura.
A biografia profissional do casal é caracterizada por um primeiro momento de fortíssima formação curricular de David Moreira da Silva. Formado no Porto em 1929, em 1931 foi viver para Paris onde estagiou no atelier Laloux-Lemaresquier antes de ser admitido em 1934 na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e, em 1935, no Instititut d’Urbanisme de l’Université de Paris. Nesse período, projectou e construiu o edifício da Cooperativa dos Pedreiros, obra com uma racionalidade formal e construtiva singular no panorama das obras modernas da cidade do Porto. Após regressar ao Porto, em 1943, casou-se com Maria José Marques da Silva.
A escolha do urbanismo como formação específica não foi ingénua. Em 1934 o Estado Novo legislou a obrigatoriedade da elaboração de Planos de Gerais de Urbanização. Desde 1940 e após a participação nos planos de Coimbra e Luanda em conjunto com Etienne de Gröer, o principal trabalho do atelier do casal foi o planeamento urbano. Com essa orientação e especialização é compreensível que David Moreira da Silva, desde 1946 até 1961, tenha assumido a docência da cadeira de urbanismo na Escola de Belas Artes do Porto.
A obra construída do casal só agora começa a ser estudada e aprofundada. Um dos aspectos que poderá ser relevante desse estudo é a continuidade do fio de pensamento e concepção do projecto desde o planeamento à escala urbana (onde se especializam) à precisão construtiva do que edificaram. Nos projectos de espaço público (com uma perspectiva mais estratégica do que projectos de embelezamento das gerações antecedentes) serão, talvez, os exemplos onde se pode compreender o contacto entre essas duas dimensões. Isto porque as obras que construíram oscilam entre o edifício monumental e o seu suporte de rua, preservando a qualidade do desenho e o rigor da construção como elo.
Isso é visível no Porto, nos edifícios da Cooperativa dos Pedreiros, a sua sede (Rua da Alegria, 1934-1939), o prédio de rendimento «Trabalho e Reforma» (Rua Nossa Senhora de Fátima, 1949-1953) e a «Torre Miradouro» (Rua da Alegria, 1963-1969). Mas é visível sobretudo no Palácio do Comércio (Rua Sá da Bandeira, 1944-1946), projectado para o industrial Delfim Ferreira onde a monumentalidade da pedra, o vigor da caixilharia metálica e o rigor da composição geram uma conjugação inusitada de volumes, eixos, formas e marcas de expressividade.
Um segundo grupo de obras significativas teve lugar a partir de encomendas da Igreja (Porto, Braga e Guimarães). Nessas destaca-se o projecto para o conjunto do Santuário de Nossa Senhora do Sameiro (1947) que sintetiza a monumentalidade do desenho dos prédios urbanos, o já citado rigor da construção, e as articulações complexas (e também monumentais) dos planos de urbanização. Nessas obras, a representatividade simbólica da prática da arquitectura ganha uma expressão singular e operativa, provavelmente reveladora da ideia de arquitectura do casal.
Nos anos 70 e 80, já relativamente arredados do papel central que, durante as três décadas anteriores, tinham tido no debate sobre a transformação urbana das cidades portuguesas, o casal dedicou-se sobretudo à exploração agrícola das suas propriedades em Barcelos.
Seria necessário entrar nas querelas profissionais dos arquitectos portugueses para compreender porque é que, entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80, Maria José Marques da Silva se empenhou em cargos de chefia na Associação dos Arquitectos Portugueses. Essa participação, e talvez essas querelas, explicam cisões de fundo na cultura dos arquitectos. No âmbito desta biografia sintética convém apenas salientar que essa opção de luta pelo direito à arquitectura e pelo exercício qualificado da profissão de arquitecto constituiu o penúltimo capítulo da actividade do casal. Um dos resultados dessa acção foi, em paralelo dissonante com o ensino da arquitectura, o reconhecimento de uma cultura regional específica capaz justificar e merecer a existência de instituições próprias e autónomas no campo da arquitectura.
Nos últimos anos de vida o casal concebeu e criou uma instituição para preservar o espaço de encontro que justificou a sua vida. Hoje, a Fundação Marques da Silva, dedicada ao estudo e à defesa da cultura arquitectónica, prolonga o legado do casal no espaço de encontro das suas vidas: a arquitectura.


 
Referências bibliográficas
Maria do Carmo PIRES, «David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins – Um primeiro olhar sobre um atelier do Porto do século XX» in Natália Marinho FERREIRA-ALVES (coord.), Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa, Porto, CEPESE, [2008], pp. 175-182.

Maria do Carmo PIRES, «David Moreira da Silva e Maria José Marques da Silva Martins, a concretização de projectos e de aprendizagens» in José Marques da Silva em Guimarães, Porto-Guimarães, Sociedade Martins Sarmento – Instituto Arquitecto José Marques da Silva, [2006].

[André TAVARES], «Maria José Marques da Silva» in Boletim Arquitectos, n.º 112, Maio, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2002.

Margarida Sousa LÔBO, Planos de Urbanização, A época de Duarte Pacheco, Porto, Faup-publicações, 1995, pp. 148-155.

Domingos TAVARES, «David Moreira da Silva» in Desenho de Arquitectura, Porto, Universidade do Porto, 1987, pp. 71-73.

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