Posto duplo de abastecimento da Galp, no lugar de Covas, em Guimarães
Casa e Quinta da Covilhã (Guimarães)
Casa da Igreja, Mondim de Basto
Posto duplo de abastecimento da Galp, no lugar de Covas, em Guimarães
Fotografia de época

Fotografias José Bernardo Távora
Por iniciativa da Fundação Marques da Silva, foi accionado o processo de classificação do Posto duplo de abastecimento da Galp, no lugar de Covas (Guimarães), em novembro de 2014. A proposta de classificação tinha subjacente a sensibilização das entidades competentes para a necessidade de preservar a harmonia, equilíbrio compositivo, formal e plástico do projeto original, num momento em que tnha pendente sobre si a ameaça de demolição das palas de betão armado, uma secção estrutural com valor identitário, essencial para a caracterização do conjunto. Aí se apelava para a compreensão do valor referencial, documental e patrimonial desta obra de arquitetura, certificando a importância do seu estudo e a sua relevância no contexto urbano e edificado de Guimarães, bem como no quadro da arquitetura portuguesa do século XX. O processo de classificação em Monumento de Interesse Público (MIP) concluiu-se a 22 de novembro de 2022.
Consultar DR n.º 81/2015 : Anúncio 75/2015
Consultar DR n.º 70/2022: Anúncio 68/2022
Consutar DR n.º 225/2022, Série II: Portaria n.º 814/2022
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Casa e Quinta da Covilhã

Fotografia de Luís Ferreira Alves
"Estou farto, cansado, desta vida de pedidos, de homens importantes, de burocracias, de repartições públicas.
Ficar porventura na Escola e ir viver para fora do Porto (tenho ódio à metrópole).
A Quinta e a Casa da Covilhã sorri-me extraordinariamente.
É um velho sonho...
Arranjar a casa, realizá-la por todos meios, pôr aí o meu atelier e na mata construir uma coisa assim como escola, uma pensão para artistas, um albergue para poetas, qualquer espaço em que pudessem dormir, comer e trabalhar os alunos da escola, pintores, escultores e arquitectos, que na quinta quisessem passar uma temporada trabalhando comigo.
Eu creio que isto é possível.
Viver na Covilhã e de vez em quando em Paris, Nova York, Lisboa, o Rio, de vez em quando o mundo sujo e tentador das metrópoles.
Viver na Covilhã, aí cultivar o milho, o vinho, aí ter bois, vacas e jardins, aí ver os pássaros construindo os seus ninhos, aí ver desperta as folhas da primavera, aí projectar edifícios para os homens que precisem de mim."
Diário, Foz, 20-21 de Abril de 1956, em "Escrita 4"
O conjunto formado pela Casa e Quinta da Covilhã, no lugar da Covilhã, freguesia de Fermentões, concelho de Guimarães, distrito de Braga, foi classificado a 19 de outubro de 2020 como monumento de interesse público. O gesto reconhece assim o valor patrimonial contido nas suas múltiplas dimensões: arquitetónica, histórica, artística e simbólica.
A história desta Casa de família, que remonta ao século XVII, foi-nos contada pelo Arquitecto Fernando Távora num texto de 1983: "Eu sabia algo da sua alma e do seu corpo. Sabia-a iniciada por João, o mestre-escola e embaixador que morreu de saudade e de tristeza, enriquecida por Francisca que nascera na Baía, nobilitada pelo descendente de Bernardo, o secretário do infante que não chegou a morrer em Alcácer, renascida pelos dobrões que Luís António trouxera de S. João de Rei, despertada pelas iras de outro António, o cónego miguelista que saiu vencido, conservada pelo austero Adelino e tão amada por José.
Eu sabia-a forte e segura, nas suas espessas paredes de granito ou nas armações de castanho, mas descobrira-lhe já algumas cicatrizes, fruto de sucessivos crescimentos ou de agravos do tempo que, também a ela, não soube perdoar.
Eu amava a sua pobre riqueza, a sua carreira, o seu portão com seu muro, o seu terreiro, o seu jardim que outrora fora de buxo, algumas das suas fontes sem água, a sua velha nogueira, a beleza das suas camélias de fevereiro."
Vivia então o romance da sua transformação: "Havia que tocar-lhe e tocar-lhe foi um acto de amor, longo e lento, persistente e cauteloso, com dúvidas e certezas, foi um processo sinuoso e flexível e não um projecto de estirador, foi um método de homem apaixonado e não de frio tecnocrata, foi um desenho de gesto mais do que um desenho no papel."
Um processo que foi acontecendo: "Foram, assim, dez anos de muitos longos gestos e de algum pouco papel, dez anos fixando e decidindo com cautela as transformações que ambos – ela e eu – íamos amorosamente aceitando."
Neste cruzar de vidas, Fernando Távora sabiamente afirmava que "hoje ela está prosseguindo no seu espaço e no seu tempo e o seu desenho aí está escrevendo e recordando a história do nosso romance." Era o reconhecimnento de uma experiência intensa e transformadora que faz questão de dar a conhecer em "Onze arquitetos do Porto". Será para o catálogo desta exposição que redige o texto aqui citado.
A relação única que Fernando Távora vai estabelecer e manter com esta casa, lugar de refúgio e de lazer, o respeito pela memória gravada nas suas espessas paredes de granito ou o compromisso entre os vários tempos, passo a passo conquistado, num processo que a ambos deixou diferentes, tudo isso é revelado neste belo texto sobre um espaço que continua a acolher novas gerações. Pertence hoje ao seu filho José Bernardo Távora, igualmente arquiteto. Também ele acrescentou novos capítulos a esta história, empreendendo uma nova intervenção onde está traduzido um entendimento singular do sentido das ações modelares que o precederam e a cumplicidade afetiva mantida com o espaço e a memória do seu pai. Com ele Casa e quinta continuam a manter-se literal e simbolicamente vivas.
A abertura do procedimento de classificação remonta a 2017 com a entrega do requerimento e organização do processo realizado pela Arquiteta Ana Motta Veiga, acompanhado por uma lista de 35 personalidades com reconhecimento público nas áreas da arquitetura, história, património e cultura, entre os quais os arquitetos Álvaro Siza, Alexandre Alves Costa, Eduardo Souto de Moura, o arqueólogo Cláudio Torres ou o historiador Paulo Pereira.
Consultar:
Procedimento para Classificação (2017)
Portaria 608/2020
Arquivo Digital: documentação relativa ao projeto desenvolvido por Fernando Távora
Escritos Escolhidos #11: Casa da Covilhã, Guimarães
Casa da Igreja, em Mondim de Basto
Fernando Távora começa a trabalhar na Casa da Igreja, em Mondim de Basto, em resposta a uma encomenda de António Lages, em 1958. Tratava-se de uma construção que possuia todas as características de um Solar da região da segunda metade do Séc. XVIII, que tinha sofrido algumas obras "bastantes discutíveis", que Távora não considerou nessa sua chamada a desenvolver o projeto de conservação e valorização. Tratava-se, isso sim, de manter o "espírito da Casa".
Em 1961, quando na Revista Arquitectura n.º 71, Nuno Portas apresenta a trajetória da obra de Távora, ao longo dos últimos 12 anos, a Casa da Igreja é um dos projetos em destaque numa lista onde, por esta altura e só relativo aos anos de 58-60, se apresentam a Escola Primária do Cedro (Gaia), o Bloco de Habitações na R. Pereira Reis (Porto), o Plano Regulador do Espaço Portuário (Leixões), o Restaurante e Posto de Abastecimento da SACOR (Seia), e o Anteplano de Urbanização de Montemor-o-Velho. E na p. 31, o projeto para a Casa de Mondim de Basto surge documentado por uma fotografia da reconstrução, pela reprodução de uma planta remodelada, com indicação do levantamento prévio do existente, e por um excerto da memória descritiva onde se pode ler "A obra foi total, mantendo-se tudo aquilo que possuisse realmente carácter e se não tratasse de pastiche. [...] Creio que o importante nesta obra foi o estabelecer de um critério de restauro diferente do critério corrente entre nós [... Procurei] nem negar o passado nem pretender continuá-lo copiando-lhe as formas; ensaiar um diálogo com esse legado na nossa linguagem actual e obter dessa síntese de linguagens numa obra fresca e alegre a que não falta, evidentemente, o romantismo da presença do legado antigo que se conservou e valorizou..."
Nesta fotografia dos anos 40, podemos encontrar Fernando Távora em Mondim de Basto, num lugar que conhecia de um tempo anterior ao do projeto. Refira-se ainda que a Casa da Igreja viria a ser construída pela empresa de Ribeiro da Silva (com quem colaborava o seu irmão Bernardo Ferrão), contando, em termos paisagísticos, com projeto de autoria de Ilídio de Araújo. A Casa há muito deixou de estar nas mãos de quem encomendou o projeto ou da sua família. Em meados da década de 90, o imóvel acabou por ser adquirido pelo Município que desde então, não tem conseguido levar a cabo uma revitalização consequente do espaço (construído e paisagístico). Esta ausência de uso continuado e apropriado à escala e à tipologia do edifício redundou numa progressiva e triste deterioração do mesmo. Sentido que urge inverter, sobretudo num momento em que está a ser avançada uma proposta de ativação que, longe de ser a solução desejada, ignora a história do imóvel e o seu valor patrimonial, no qual se inscreve a remodelação projetada e orientada por Fernando Távora.
No dia 11 de julho, a Fundação Marques da Silva, onde se encontra preservado o acervo deste arquiteto, conjuntamente com a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e a Cátedra Unesco da FAUP, submeteu um pedido de abertura de classificação da Casa da Igreja, em Mondim de Basto, às entidades competentes (CCDRN e Património Cultural, IP). O processo que integrou os contributos do arquiteto José Bernardo Távora e do arquiteto David Ordoñez Castañón, autor do Relatório que fundamenta o valor patrimonial da Casa da Igreja (construído e paisagístico) e aponta as razões pelas quais deve ser cuidada a sua preservação e valorização. Este é um gesto a pensar no reconhecimento e proteção deste imóvel onde se cruza a memória antiga do lugar (residência senhorial do séc. XVIII) e a requalificação projetada pelo arquiteto Fernando Távora entre 1958 e 1960.